quarta-feira, 11 de agosto de 2010

O MEU MELHOR AMIGO




Às vezes estamos longe e cansados e pensamos tanto nele, mas tanto mesmo, em particular naquelas tardes de verão, depois de almoço, em que o “catalão” e a cebola crua da salada nos aflora à boca na forma sonora de uma vuvuzela, para não falar no indigesto pepino às rodelas, que dávamos tudo para o ter por perto.
Quando as pálpebras, obedecendo à lei da gravidade dos corpos, que os atrai para baixo, se tornam pesadas; ansiamos tanto, mas tanto mesmo, deitarmo-nos sobre ele e languidamente dormir nos seus braços que somos incapazes de pensar direito.

A não ser o facto de termos a nossa sexualidade há muito resolvida, referirmo-nos assim a “ele”, sem explicação prévia, obriga-nos, por força de algum equívoco ou pensamento perverso, a ser claros. Por isso, aqui se afirma peremptoriamente que este, de quem lhes falo, é o meu sofá!

Um sofá é o condomínio privado onde só nós cabemos, é uma espécie de colo maternal que incondicionalmente nos acolhe, é um porta-aviões estratégico no meio de nosso oceano de cansaço. Um sofá é tudo, por isso não existe sala que não o tenha, omnipresente, virado à tv, ao lado do janelão, bem próximo da lareira, do sistema surround e da mesa baixa, que fica mesmo a jeito para pousarmos o copo do uísque (e os pés também).

Não damos, aos sofás, a importância que nos merecem. Muitos deles, fazem indelevelmente parte da família e deviam ser fotografados e integrados no álbum de fotos do bebé, porque, (como os pais sabem…não é), fora no aconchego das suas molas que tudo aconteceu.
Do sofá, conduzimos a nossa equipa sempre à vitória e condenamos aquela espécie de treinador que lá puseram que, teimosamente joga no 4-3-3 e substitui quase sempre o ponta-de-lança por um defesa (assim não vamos lá…).

É de glúteos sentados nele (ups!!) que as “mádamas” vêem a telenovela das nove, torcendo pela coitadinha da Mariana, que caiu do cavalo e pelo sucesso do namoro do “galã da estação” com a “boa” da protagonista, cujo guião os envolve, vezes sem conta, em húmidos “beijos técnicos”.
Enfim, o sofá retempera-nos, pese embora o facto de uns maluquinhos pela ginástica nos tentarem vender a ideia de que, em vez de descansar o esqueleto no dito deveríamos estar a correr, patéticos, sobre uma passadeira estúpida, ou a pular e a descer freneticamente de um banco ao som do funky, em ambiente com ar condicionado… claro.

Por isso não o troco pelo “novinho em folha”, cheio de estética e design, igualzinho aos das revistas, que tenho sob a fotografia do meu avô Silvestre na sala grande. Sou, por exclusão de partes, levado a pensar, que quem o construiu é contra o descanso. Só pode.

E agora “desculpem qualquer coisinha”, vou-me retirar. Sem precisar de pijama, que é peça vitoriana e fora de moda, deito-me assim mesmo sobre ele, afago-lhe os “braços”, ajeito as espáduas e os glúteos contra a sua pele macia e em completo abandono, deixo-me enlevar na espuma densa do seu estofo de musculado cabedal (verde) e espero que, depois do sono retemperador, uma fada-madrinha me acorde, suavemente, roçando no meu rosto as sedas esvoaçantes do seu vestido.

Mas, como isso é pouco provável, por só acontecer nos “livros de cordel”, o mais certo é ser uma mosca “regateira”, chamada pelo ronco surdo do meu ressono a pousar-me insistentemente na ponta do nariz… ai se te apanho!

Sem comentários:

Enviar um comentário