domingo, 18 de julho de 2010

COISAS DO CATANO



Como sabemos, o futebol foi inventado pelos britânicos e foi através destes e dos vinhateiros do Douro, que chegou a Portugal, tornando-se no nosso desporto nacional. Foi de tal maneira, que explodiu por tudo quanto era sítio e não havia, a partir dai, santa terrinha que não tivesse uma equipa, por muito “fajuta” que fosse.

Só os bons, os artistas ou predestinados tinham lugar cativo nas equipas, os outros, por muito amor à camisola que tivessem limitavam-se, do banco, a ver jogar os “convocados”.

Certo dia os manos Alexandre, cuja compleição física abonava pouco para o futebol, mas movidos pelo desejo de fazer o gosto ao pé, juntavam a malta disponível no pelado das traseiras. Atapetado a pó fino, este “estádio da caganita”, não era coisa nenhuma. Torto e sem balizas, obrigava a trocar as equipas para equilibrar o resultado, uma vez que a bola, por força da gravidade, teimava em pender para o lado que mais lhe convinha. Mas à parte este pequeno pormenor da inclinação do campo, as equipas lá iam “evoluindo no relvado”, fazendo saltar uma nuvem de poeira cada vez que pontapeavam o esférico num passe mais em jeito.

Manel fica à baliza, que mais não era que dois montículos encimados por uma pedra, Rique fica à defesa, para varrer sem piedade. Depois de um embate titânico entre eles e os “lingrinhas” da rua de trás, regressaram a casa sedentos e irreconhecíveis, um por se mandar para o chão para evitar os golos e o outro pelos “cortes em carrinho” que deitavam por terra, os avançados adversários, com ou sem bola.
Manel, numa dessas defesas que levavam o selo de golo, reparou num pequeno pedaço de metal que emergia da terra remexida, pegou nele, limpou-o com a ponta dos dedos, esfregando-o com saliva e reparou tratar-se de metade de uma moeda. Guardou-a consigo, com o intuito de a mostrar ao irmão a caminho de casa. Assim fez.
– Olha o que encontrei junto à “baliza”- mostrando ao “mano velho” o semicírculo metálico que agora, sem sombra para dúvidas, lhe parecia ser metade de uma moeda de cinco escudos. Tem graça, disse o Rique - Encontrei também uma coisa igual a essa – afirmou ao mesmo tempo que levava a mão direita ao bolso das calças.

Por incrível que pareça, Manel e Rique tinham encontrado as duas partes de uma mesma moeda de cinco escudos, cortada ao meio sabe-se lá por quê. Bom seria ser inteira, que “cinco mil réis” sempre era dinheiro. Que fazer agora? - Vamos aos Quinas soldá-la, diz o mais espevitado dos dois.

E assim fizeram, “pegaram em sí” e foram à oficina das alfaias, existente na rua 5 de Outubro, pedir para ligar a moeda na expectativa de ficarem com a dita inteira.
Feita a tarefa, vamos a contas.
Espanto dos manos - soldar a moeda de “5 paus” tinha custado “7 e quinhentos”.

Outra vez, já adulto, um dos manos, imbuído na sofreguidão de construir sem demoras a casa daquele pobre coitado que tinha os tostões à conta para, “quatro paredes e telhado de uma água”, enlevado pela brisa da manhã que o predispunha para o trabalho, foi levantando sem demoras as 4 paredes da pobre habitação. Sempre à volta, somando a cada volta mais uma fiada de tijolo, que se apresentava agora bem acima da sua cabeça, lá seguia pedindo ao servente celeridades nas massas e nos tijolos. A coisa corria bem até que, num movimento mais brusco, a colher do trolha tropeça no fio esticado para o alinhamento e é catapultada além paredes, caindo para o lado de fora daquele prisma sem telhado. Havia que recuperá-la mas, quando se aprontou para o fazer, reparou com espanto ter-se esquecido da porta.

O “estádio da caganita” já não existe, tal como os manos Alexandre. O campo continua hoje, inclinado, empoeirado e cheio de entulhos anónimos, depositados a coberto da noite. Quanto aos manos, particularmente castiços e originais na sua forma de estar, há muito que se transformaram em pó.

Não será certo que o relatado tenha acontecido, pelo menos desta maneira, contudo, o que aqui se vê é a importância do conto como matéria de estudo das gentes simples dos quais não “reza a história” que, à sua maneira, brincaram com a vida para esta não os levar muito a sério.

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