quarta-feira, 7 de julho de 2010

PRA CIMA DE 15 ARROBAS












Rara era a família que não tinha no seu quintal um espaço para criar um porco. Engordado com “fraternal carinho”, havia um amor desmedido entre o dito e quem lhe dava de comer. O primeiro comia com sofreguidão as sobras dos legumes e do pão ou os figos caídos da árvore com que era mimado na “época deles” o segundo via com bons olhos o apetite do quadrúpede e perspectiva vê-lo dependurado pelos tendões traseiros na “chambaril” da adega.

A cumprir-se o acordo tácito entre ambos e não havendo maleita que contribuísse para este incumprimento, o destino do suíno estava traçado desde o dia em que fora adquirido na feira. Muita farinha, muita casca de laranja, “camas” mudadas de quando em vez, faziam dele objecto de invejosa observação por parte dos vizinhos – belo animal, sim senhor… pra cima de 15 arrobas, não? Porcos havia que davam mais carne que toucinho, mas quase tudo era comestível. Das partes interiores da façoila (as molejas, se não estou em erro), às tripas lavadas em água abundante e esfregadas com muito limão, às gorduras retiradas à carne, que serviriam para os enchidos, ao sangue, aproveitado para fazer morcelas, tudo era aproveitado e guardado. Depois de retalhado e divididas as peças eram acondicionadas em salgadeiras de madeira e mais tarde em arcas frigoríficas.

Ao matador competia ter as facas afiadas, ser destro e certeiro. Aos demais homens, exigia-se que fossem suficientemente fortes e experientes para reter os arremessos da “besta ferida de morte”. Às mulheres ter a água quente e os panos a jeito, bem como o alguidar de barro vidrado que receberia o jorro do sangue quente que era aspergido da ferida mortal em impulsos iguais aos roncos agudos que soltava, cada vez que a faca entrava, ou saia. A “ciência” estava em mexer bem, com colher de pau, para não coagular. Aos rapazes, (as meninas onde estavam?) era-lhes dado a bexiga, aventada a sopro, para jogarem à bola.

Quinze arrobas de porco dava trabalho a todos, desde manhã bem cedo ao fim da tarde, mas era sinal evidente de que tinha valido a pena esperar para o fazer, mesmo que tivessem de comprar uma nova salgadeira, ou faltasse espaço na larga chaminé para curar as varas do enchido. Belos tempos!

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