quinta-feira, 29 de julho de 2010

TATUADO NO BRAÇO


Arrancados à pacatez do sítio onde nasceram, cresceram ou se fizeram homens e onde, por incondicional amor à terra, desejavam morrer, muitos foram os mobilizados para o “ultramar português”, com a obrigação de travar os “terroristas”.

Os relatos trazidos de lá não abonavam à tranquilidade e ao sono descansado, especialmente para os soldados que incorporavam os grupos de acção directa que combatia o “inimigo” na mata.

Das atrocidades da guerra, da solidão dos postos de vigia, dos “aerogramas” que não foram lidos, dos adultérios, dos estropiados, dos “cacimbados” e dos loucos, dos que viveram bem à custa dela, dos mortos e dos heróis, não vamos aqui falar.

Por isso, podemos falar da amizade e do companheirismo, dos laços fortes entre os homens que partilharam entre si a mesma condição e a mesma incerteza, jogando sem vontade, uma espécie de “roleta russa” com a morte.
Por assim dizer, “praça” que se prezasse trazia, marcado na pele, a tinta, e para sempre, uma recordação de sua passagem por África. Fazia parte do espírito gregário e de corpo, sentido nas “fileiras”, o qual, misturado com a saudade, davam para aquelas coisas.

Bastavam 3 agulhas - daquelas de coser roupa - apertadas em paus de fósforo, uma “carica” de cerveja “cuca”, que servirá de recipiente, tinta-da-china preta e tinhamos tudo o que era preciso. Não se conhecem grandes cuidados com desinfecções do material e facilmente acreditamos que uma esfregadela com “uísque de Sacavém” sanava qualquer enfermidade da epiderme. À destreza e sobriedade do “tatuador”, havia de corresponder a qualidade da obra.

Os Pára-quedistas tatuavam o brevet, os Fuzileiros da infantaria de Marinha, o “sabre envolta em 2 palmas”, os Comandos a sua insígnia envolta no grito “Mama Sume”, os outros, que tinham igual direito ao sentimento de pertença, as armas do seu batalhão e por ai a fora até ao “Angola 1961-1963”, ao coração estilizado envolvendo o “Amo-te Rosa, Moçambique -1968”, o vulgar “Guiné 25.03.1973”, o clássico “Amor de Mãe”, ou o clássico dos clássicos,"Sangue Suor e Lágrimas".

Muito depois de terminada a guerra colonial, se continuou a perpetuar sentimentos de pertença nas forças armadas, mas hoje dificilmente alguém deixa tatuar no braço esquerdo uma “gaja nua” ou um “Amo-te Querida”.

É porque, o que hoje é amor, amanhã pode ser rancor.

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