terça-feira, 13 de julho de 2010

“RISCADO” PRÓ FATO






Toda a gente sabe do jeito especial dos ciganos pró negócio. É uma espécie de karma, que com eles nasce e que não os abandonará jamais. Trabalhar sim, mas nas suas “artes” tradicionais, nada de horário com entrada e saída e muito menos um patrão que lhes diga quando e como fazer. São por isso, uma classe social que se particulariza pela especificidade da sua cultura, antes nómada, fundamentada nas tradições ciganas de apego à família e defesa do clã e cada vez mais fixa, “inserida” e integrada na vida social da terra que acabar por ser, também, a sua.

Existe, talvez, o sentimento de que, embora fixando-se, cigano será de todo o mundo e de nenhum sítio em particular. Bom, mas à parte tudo isso, os que nasceram, brincaram, aprenderam na mesma escola, cresceram e morreram na zona do nosso bairro, eram os nossos ciganos… e pronto.

Alguns, vendiam tecidos porta-a-porta ou nas feiras montavam banca, outros eram especialistas em tosquiar gado muar, como o falecido Chico,que se ajeitava com as tesouras, fazendo junto das crinas trabalho de verdadeira mestria, rematadando junto à cauda com elaborado desenho geométrico que decorava a zona terminal da besta, ligeiramente acima do dito-cujo, por onde, e em situações pouco previsíveis, a aventesma haveria de expelir a palha ruminada lentamente, em forma de bolas redondas de cor e cheiro particular, que mal comparando parecia um pastel de bacalhau formato big mac. Mas nem tudo era desperdício, pois, algumas pessoas recolhiam-nos à porta de casa para com eles estrumarem a terra do canteiro dos nabos. Boa sopa haveriam de fazer com eles… belos nabos, benza-os deus!

Mas voltando ao que nos trás aqui, a malta cigana sempre teve dedo pró negócio e nunca perdia a oportunidade para o fazer, nem que isso implicasse muito regatear e ai quase sempre saiam por cima, por lhes ser reconhecida capacidade oratória, uma espécie de “namoro” que inebriava o ouvido e abria a carteira.

Ninguém, nessa altura, no seu juízo perfeito, emprestava dinheiro a um cigano. Mas o conhecido nómada, de “corte” ao ombro, depois de se ambientar e beber um branquinho na taberna do “Pipino”, sem medos, “arrefimba-lhe; Oh Se’João não me empresta ai, cinquenta mil reis que eu amanhã já lhe pago? – Cinquenta paus? Ripostou o taberneiro, homem sábio e bom de trato que estava cansado de propostas idênticas às quais habilimente sempre se tinha esquivado. Cinquenta paus é dinheiro, só tenho aqui trinta, disse o velho homem ciente de que teria resolvido ali a questão. Pode ser, diz de pronto o cigano ajeitando o bigode mal aparado que decorava a cara escura iluminada por uns olhos pequenos e vivos, dê-me cá os trinta… e fica-me a dever vinte!

Quer-se dizer, o taberneiro ficava assim, desta curiosa forma, a dever dinheiro ao cigano. No banco corrido de madeira, de frente ao depósito “aéreo”, alguns indigentes, pulhas e velhos, que “esfumaçavam Definitivos”, gargalharam com gosto. Da mesma forma que a peça de riscado não saiu do ombro do cigano – tecido bonito, temos de dizer, de fundo escuro, impecável, decorado com linhas suaves de cor cinza - também a nota da “rainha santa Isabel” não saiu da caixa das moedas.

Continuaram amigos (por conveniência talvez), até porque aquele sítio, encravado num cruzamento importante, onde uma errante trupe de saltimbancos várias vezes esticou os fios do trapézio, era uma espécie de porta-aviões, onde sempre se podia aterrar os ossos os descansar os cotovelos sobre o balcão de pedra e pedir um “copo”… dos grandes.

Já nada disso existe, pelo menos, desta forma. Já poucos são os alfaiates, capazes de darem forma à “calça por medida” e já não se vêem vendedores dispostos a transportar até ao cliente, ao ombro e em exclusivo, aquele tecido estrangeiro, com um “cair” fantástico, que transformava quem o vestisse, num verdadeiro “princês”.

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