sexta-feira, 16 de julho de 2010

“PRAIA DOS TESOS”






Há falta de melhor praia, tínhamos o Tejo.
Quem não dispunha de tempo ou tinha pouco dinheiro, sempre podia passar um dia agradável, de pezinhos na água, praticamente sem “sair de casa”.

O rio grande era já ali, junto à Tapada, a aldeia que se constituiu do casario operário edificado pelo pessoal que ajudou à construção da Ponte de D. Luís I, que em tempos idos, pasme-se, apresentava portagem, ou seja, veículos, fossem eles quais fossem, pagavam para a atravessar, por isso utilizá-la para ir a Santarém (ou vice-versa), significava ser taxado com aquela espécie de coima.

Sobre a dita, muitas vezes haveria de passar o velho Lobo, a caminho da estação de comboios da Ribeira, para resgatar mercadorias que transportava na sua “galera” puxada por bestas. Tantas vezes cumpria a distância, no ritmo cadenciado e frouxo dos animais, que não precisava de se preocupar muito com a condução das "alimárias", nem em utilizar o “acelerador de chicote” para lhes dar gás aos cascos e assim chegar rápido ao destino. Dia após dia, semana sobre semana, as bestas, cansadas do mesmo percurso, acabavam por “decorar” as paragens e nesse sentido, podia o carroceiro descansar pois, o mais certo era só pararem no destino.

Naquela altura, existiam uns “moi-almas” que se divertiam a pregar partidas e, reparando que o velho Lobo, completamente “desligado”, dormia na boleia do veículo de madeira, que aportava à “pontinha”, vindo de Santarém, pensaram (e melhor fizeram), seguraram com cuidado as rédeas junto ao freio e obrigaram os animais a dar meia volta, para assim continuarem, sem sequer parar, novamente a caminho da estação.
Ainda hoje os "bedelhos", alguns já homens feitos, se riem da brincadeira, mas quem não terá achado graça nenhuma foi o Lobo que, quando acordou, se viu para lá da “casa do guarda”.

Mas voltando ao Tejo, outrora navegado por faluas, fragatas e bergantins reais e por um conjunto de outras pequenas embarcações que, a toque de vento ou à força de braço, evoluíam no bailado das águas, emprestando às suas margens, portos para certos prazeres de Verão, lá navegavam por ente arquipélagos de areia o trânsito das embarcações. Nesta época do ano, era frequente surgirem pequenas ilhas de areia que ficavam submersas quando o caudal provocado pelos Invernos chuvosos, obrigava a transbordar a água do seu imenso copo, inundando campos de cultivo e de pasto e obrigando a acautelar pessoas, bens e animais.

A sombra dos salgueiros e dos chorões, serviam de guarda-sóis e a lenha seca, deixada na “areia da praia”, servia para alimentar a fogueira para assar os "catalões", as sardinhas ou a fataça acabada de pescar.

Recordo um momento feliz, daquele miúdo sentado na areia morna da “praia”, preparando a “espingarda” feita de cana e vara de salgueiro. Pelo seu interior, haveriam de sair pequenas “balas” de madeira, empurradas pela tensão da vara “armada” em forma de arco. Presto aqui homenagem à “laranjada”, à “gasosa” e ao pão-de-ló, caprichos de mesa, que tornavam tudo aquilo mais desejável.

O rio sempre foi perigosamente enganador e os “fundões”, identificados pelos adultos pela escuridão das águas, faziam os mais temerários questionar os seus dotes de nadador quando nele se aventuravam. Muitos, perderam ali a vida, desafiando as forças nadando contra a corrente, ou mergulhando em "sítios com lenha".

Na “praia dos tesos” uma bandeira, feita com um lenço de nylon colorido, assinalava o local para que os pequenos não se perdessem. Os homens dormiam a sesta na fresquidão da sombra, enquanto as mulheres davam corda à “matraca”, enterrando os vivos e desenterrando os mortos, enquanto esfregavam com areia o fundo dos pratos de alumínio, retirando a custo o gordura da bela da sardinha que acompanhou a salada de catalão e tomate “xucha”.

O Sol queimava menos e o vento que corria no vale anunciava o fim do dia. Era hora de “embalar a trouxa e safar”. Os putos vestiam as camisolas, as mães ajeitavam as fráguas do cabelo que, com o vento, se libertaram do carrapito e os homens preparavam-se para levar a palamenta à ilharga.

Pelo chão, as poucas espinhas e os restos da salada envinagrada, abandonadas no local, eram disputadas agora por 10 batalhões de moscas que continuavam a chamar-se entre sí, as mesmas que, enlouquecidas pelo cheiro libertado da grelha nos tinham pousado, literalmente, em tudo o que era sítio, até mesmo no cocó fresco do “cão da malta”.

O banho tinha sido no Tejo, agora era só lavar os pés e deitar. Grande dia este, passado à “borda d’água”. Domingo que vêm o almoço vai ser fataça, pescada ao repuxão e assada no carvão, regada por fora com muito azeite, com pouco grau.

Mas, se ao azeite se retirava o grau para aumentar a qualidade, ao vinho pedia-se que o tivesse para o distanciar da água-pé e o tornar numa "pomada" apreciável.

Amanhã será outro dia de calor, igual aos demais, impiedoso para quem trabalha a céu aberto, mas igualmente penoso para quem o faz debaixo de telha.

Vou pôr o garrafão a refrescar no fundo do poço e Deus queira que chegue a domingo com saúde.

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