quinta-feira, 8 de julho de 2010

RABISCOS NÃO SÃO “RABISCO”



Antes era mais tarde, lá pra Setembro. Agora começa-se em Agosto e no final do “mês das férias grandes”, alguns já terminaram a vindima e já lavaram os cestos.

Com o cuidado posto no amanho da vinha, a poda e as curas feitas no tempo certo, os “vôes” limpos de erva e desafogados de vides, os utensílios – latas, latões, encerados, “medidas” – a jeito, era escolhida a altura para fazer o que tinha de ser feito. E parafraseando o nosso amigo e Poeta Francisco Henriques, nesta altura, “morre a uva, para que nasça o vinho”.

As ruas enchiam-se do cheiro forte do mosto, pegagoso e doce. Os lagares particulares, caiados por fora na “época baixa”, eram preparados para o ritual, as cordas e as madeiras lavadas e os depósitos subterrâneos inspeccionados. Entretanto, no campo ou na charneca, as vespas, “loucas de desejo”, procuravam por entres os cachos no “latão” o adocicado hipnotizante da uvas “farnãopires” ou, sem aviso, saindo a toda a velocidade da cepa onde tinham o vespeiro, directas aos braços ou aos olhos das incautas vindimadeiras. Alerta dado e depois de alguma acalmia, vinha sempre alguém, destemido, que num gesto rápido, desfazia o “ninho” esfregando-o entre as parras. Para não deixar cacho ou “esgalha” para trás, a tarefa tinha de ser feita com olho de falcão, afastando as folhas e entrando na videira. Os bagos caídos eram recuperados do chão, em ano mau tudo era contabilizado. Depois, havia sempre alguém que se predispunha a fazer uma água-pé, mesmo sem ter vinhas. Os barris de 50 litros, “inchados” de água e apertados nos seus anéis metálicos, estavam preparados para receber o “rabisco”.

Pela calada da noite ou com a consentida presença do dono da propriedade, lá iam em pequenos grupos de saca na mão, vasculhar por entre as cepas, as mesmas que no entendimento do fazendeiro já tinham cumprido a sua dádiva, recolher as “esgalhas” e até os cachos esquecidos na troca da “carreira”. Esmagadas em casa, num lagar improvisado, a massa e o sumo e uma dose generosa de água, eram vertidas para os pequenos barris que as esperavam bem “calçados” de encontro à parede. A surpresa estaria para quando se “abrisse” a água-pé, lá para o frio Novembro.

Com sorte, a “pomada”, híbrida pela confusão aleatória das castas rapinadas, daria uma bebida, não filtrada, de travo vincado a “caseiro” e “fraquinha” de teor alcoólico.

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