domingo, 11 de julho de 2010

TAXI DRIVER, MAS POUCO





Antigamente as distâncias não eram as mesmas. Das duas uma, ou os sistemas métricos eram diferentes, o que francamente não pode ser, visto afinarmos pela convencional medida europeia conhecida como “metro”, com os seus múltiplos e submúltiplos, dos quais se conhecem também as “léguas submarinas”, (estranho) sistema de medição usado por Júlio Verne no seu livro de aventuras (que consultando o “conta léguas submarinas” seriam perto de 20 000), ou a nossa relação com a envolvente era falha de rigor.

Talvez, nessa idade, tudo nos parecesse mais longe, mais alto... mais forte… (onde é que já ouvimos isto?). De uma forma ou de outra, “ir lá abaixo, era longe pra caramba. As pessoas referiam-se assim quando falavam em descer à Vila, ao seu coração administrativo, ao mercado municipal, à “pharmácia”, às compras mais delicadas, a outro tipo de mercearia. Ir “lá abaixo” era diferente de ir “à pontinha”, que como o nome indica, era quase sair do burgo a caminho de Santarém.


Nesses tempos, em que os bairros se encontravam, por razões de planeamento (planeamento???) urbanístico, afastados uns dos outros, era possível perceber os seus limites, ou pelo menos definir as “fronteiras” entre os vários “estados laicos”, ditos assim a brincar, por não haver capelas ou oragos para venerar. As igrejas, capelas ou “passos” da “via Ápia” estavam todas na parte antiga. Nestes aglomerados de gente, maioritariamente remediada, de que o bairro do Pupo (consequência da visão de um homem sabedor e humanista, ligado à agricultura, que possibilitou aos assalariados rurais, em finais de 50, adquirir o seu próprio lote urbano) serve aqui de exemplo, pela singularidade dos seus habitantes, verdadeiro “caso à parte” em identidade bairrista, para colocarmos aqui a questão os táxis.
Apenas no núcleo central se podia pisar alcatrão, tudo o resto era seixo rolado e muita terra batida que no Verão se transformava num pó fino a “atirar” pró escuro e nos Invernos diluvianos se transformava em lama pegajosa e salpicante. Digamos que, a partir do cruzamento do “poço da morte”, que cruzava as “Milheiras” com os “Aliados” o alcatrão se eclipsava dando lugar a um trilho minado, já despoletado, do qual restava uma tormenta de buracos, com ou sem água, que faziam com os taxistas blasfemassem cada vez que o serviço era para tais bandas.


As viaturas, estacionadas junto ao Jardim da República, estavam quase sempre impecáveis, uma vez que os taxistas passavam os tempos livres a lavá-los com balde e esponja. O “carro de praça” era uma ferramenta de trabalho que o chouffer tentava manter num brinco. As cores características preto e verde ervilha, que o sol desbotava, tornava inconfundível a viatura de aluguer, que servia bastante para levar as pessoas que não tinham viatura para chegar à estação de comboios ou ao hospital ou estavam incapacitados de o fazer pelos seus próprios meios. “Chamar” um táxi era luxo e por essa razão evitava-se.


Nem todos, naturalmente, tinham pelos bairros periféricos o mesmo sentimento de desprezo mensurável pela falta de simpatia observável na expressão do rosto ou na ausência de diálogo para o cliente que acabara de o contratar para o “frete”.
Felizmente que o alcatrão surgiu, não sem antes, por baixo, se colocarem as condutas de esgoto, coisa importante trazida com os ventos de Abril.
Agora que a cidade se apresenta de asfalto calçada em praticamente todas as ruas, excepção feita às que ainda mantém o tradicional e super-trepidante seixo rolado, os táxis podem sem temor, resgatar os seus clientes sem medo de enlamear a pintura, sendo certo que a acontecer tal infortúnio, a cor creme-macilento que hoje ostentam lhe dá a garantia de camuflagem.
Façam-nos um favorzinho, troquem lá essa cor, que “não está com nada” e voltem a pinta-los de negro e ervilha. Não é de revivalismo que falamos é de cultura nacional.
Leva-me à estação da Ribeira, se faz favor?

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