quinta-feira, 29 de julho de 2010

LOJAS DO BAIRRO


As mercearias estavam para as mulheres como as tabernas para os homens.

“Meia quarta” de café, 3 velas de sebo uma caixa de fósforos (das pequenas) e um vidro pró candeeiro. As mercearias de bairro, vulgarmente conhecidas por lojas, eram o ”entreposto comercial” mais próximo da nossa casa e mais distante, em aspecto e quantidade de géneros, do nosso conhecido super subalterno do hiper(mercado).

Floresciam nos gavetos mais importantes, marcando uma posição de assumida estratégia comercial. Muitas tinham acopladas tabernas, esses pequenos antros de perdição alcoólica, onde mulher respeitada não entrava. Na grande maioria dos casos as lojas eram suficientes, o dinheiro é que não, por isso era sempre a “assentar”.
O “avio” era feito ao sábado e "devia" de chegar para toda a semana. Já o “conduto” era comprado no mercado, onde se perfilavam os talhos, que, no tempo em que não havia moscas (nem ASAE), dependuravam à porta, as “peças” espetadas em grandes “anzóis” de inox. Excepção feita aos enchidos e ao frango, que se podiam comprar em algumas lojas, todas as outras carnes se compravam nos talhantes, ou na forma de animais vivos, porque também havia quem nesse tempo não tivesse aves de criação.

Compravam-se amendoins à “mão-cheia” e “chupas” de um só sabor, “bolacha baunilha a peso”, “álcool azul” para o fogareiro de “latão amarelo” e os ”espevitadores”, singela ferramenta de socorro que qualquer cozinha deveria ter.
Falemos em particular do amendoim torrado, que Baco não desprezaria por companhia por ser “marisco de taberna”, como o tremoço. Na competição entre amendoins, lá aparecia o “israelita”, maior que os da concorrência e por isso também, menos unidades por mão-cheia. Aceitava-se.

Nas lojas, onde o bacalhau se cortava em postas pequenas, para “dar para mais”, vendia-se também azeite de talhas de lata, sugado por bombas e petróleo “normal” para acender o carvão. Podia-se comprar envelopes à unidade e selos de igual maneira, colorau em “papeluços” cor de laranja e açúcar loiro em “cartuchos” de papel creme. Palmilhas para os sapatos, sabão azul a peso, embrulhado no jornal “O Século”, ganchos para o cabelo das meninas e “redes” para o carrapito das mulheres, e até pentes para os homens mais “opiniosos”, que o guardavam ciosamente no bolso das calças, ou entre a carteira atulhada de papéis, que usavam sem pejo, sempre que o vento descompunha as melenas.

Mas voltando às lojas, porque é delas que aqui se fala, estas eram uma espécie de “banco alimentar do fiado” onde se podia ficar a dever ao merceeiro, que é igual a dizer, “assente ai” no "livro dos cães”, que pago quando receber.
E assim se ia vivendo, nesta espécie de conivência baseado na “seriedade da pessoa”, isto no tempo em que ser honrado e sério era tido como um valor social em abundância. Mas, convém dizer que, sendo o povo analfabeto e pouco vivaz e o homem da loja pouco escrupuloso, sempre havia contas devedoras que, dentro do livro, se iam fecundando umas às outras aumentando a dívida e favorecendo o merceeiro, claro está.

Vendiam-se também esferográficas, que era coisa que ninguém oferecia - bic, escrita fina e bic normal – . Certo dia, respondendo a uma reclamação, de que a “caneta” não escrevia, abeirou-se ao balcão o velho merceeiro que aceitou sem demora trocar a dita por nova. Afastou-se no interior da loja, esfregou-a entre as mãos, para aquecer a tinta, riscou duas ou três vezes no papel da saca da “farinha para os pintos” e voltou. - Aqui está, novinha em folha. O cachopo agradeceu e saiu a correr.

Era assim que se enganavam os tolos.

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