quarta-feira, 28 de julho de 2010

BARBA E CABELO

Noutros tempos, na barbearia, podia-se cortar cabelos, desfazer barbas e arrancar dentes. Hoje, só se cortam cabelos e raramente se “fazem” barbas. Lêem-se umas novidades nas revistas “cor-de-rosa” amontoadas a um canto, quase todos os jornais desportivos, porque a clientela é eclética e clubisticamente sensível e, com sorte, recolhemos de viva voz, as cusquices mais frescas e mais improváveis que não se lêem nos jornais, trazidas por párias de “baixa pela Caixa” e reformados jovens (que é o contrário de jovens reformados).

Pela porta metálica de cortinas gastas, entram e saem estes pombos correios da coscuvilhice.

Zé, envolvido na bata branca que fazia questão de vestir, aberta à frente junto ao pescoço, afiava na tira de couro a navalha de lâmina reluzente com que havia de fazer os caldinhos. O seu desempenho dependia do “fio” que soubesse tirar do atrito com o “cabedal”. A barba rija dos “homens do campo”, mantida por fazer ao longo da semana, era ceifada, à primeira, deixando a cara lisa como rabinho de menino.

Duas palmadas no estofo verde, convidavam o Toino a sentar-se naquela cadeira maluca “marca Pessoa” que girava sempre que o mestre queria. Mestre Zé, que já tinha enfiado o apoio para a cabeça nos orifícios metálicos, inclinou o conjunto abrigando Toino a esticar o pescoço para trás e ajeitar os costados. Naquela posição em que oferecia o pescoço nu à navalha, Toino sentia-se desconfortável e para descontrair, respirou fundo e fincou as mãos no apoio dos braços. De costas para o “cliente” e preparando o caldo na pequena bacia de inox onde o pincel curto das “ensaboadelas” misturava sabão e água, Toino via-o reflectido no espelho enquanto este tentava fazer levedar a espuma branca do preparado. Pega-lhe no nariz com a ponta dos dedos, deixando-o a salvo da espuma que vai espalhando em movimentos circulares do pincel. De ambos os lados da cara, no pescoço, por debaixo do nariz, junto às patilhas de onde tira o excesso com a ponta dos dedos, mestre Zé estava pronto para passar ao ataque. A navalha deslizava em movimentos curtos e firmes, deixando a face sem espuma e sem pêlo. Com a ponta da toalha, limpou junto às orelhas o excesso de espuma, agora seca.
Trocou de ferramentas e aprontava-se agora para aliviar o Toino da “trunfa” que lhe crescera na cabeça, com se fosse “grama”. Colocou o pente no único bolso da bata e deu três ou quatro tesouradas no ar, como que a testar o funcionamento do utensílio. O som metálico das lâminas a cruzarem-se vão repetir-se, pelo menos, nos 15 minutos seguintes. A cada tesourada no cabelo correspondia, no mínimo, duas tesouradas no ar, um tique que o mestre fazia sem dar conta.
O cabelo que se desprendia da tesoura e caía sobre o colo do Toino parecia o pêlo da velha mula pigarça que tinha em casa. Acerta a patilha com a máquina “zero ”, afina, junto à orelha e na base da nuca com a navalha com que lhe desfez a barba e, depois de o inundar de perfume rasca, termina, sacudindo o “babete” no ar, fazendo-o estalar como um chicote.

Pagou e saiu, mas não levou o cabelo cortado.

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